"passarinho no ninho, tudo envelheceu; cobra no buraco, palavra morreu"

13 de fev. de 2014

Oroboro ou Uroboros ou mesmo Ouroboros

Então você está diante da casa de seus pais, ou de quem cuidou de você quando criança. Você está lá, diante do portão, com o sol a bater seu amarelo no cinza ou no branco ou mesmo no marromadeira das grades. É, agora, um visitante. Mas não é isso que faz teus passos vacilarem para a recepção calorosa ou rotineira ou indiferente de quem lá habita; um cachorro, enorme, entre você e o muro gradeado, late como um demônio ensandecido. Seus pelos eriçados, o branco de seus caninos atrozes, suas garras afiadas riscando o asfalto. “Os olhos da fera são pura superfície - você observacertadamente - por isso agem como um espelho refletindo o medo; o medo e sua irmã mais velha, a impotência”. Trata-se de um sonho, você imagina, afinal, não se lembra de como chegou ali e mesmo os cães da vizinhança, que sempre te intimidaram na infância, nunca pareceram tão selvagens e assustadores; mesmo assim, não dá um passo adiante. Você está parado, com os músculos prontos para a disparada – o cão só ameaça: estático, ele late: um aviso que você traduz na assertiva “A morte é a soma do movimento de meu corpo convulso com o salto da fera”. De repente o portão da tua casa se abre e o desespero te invade, “o cão pode pensar que sou eu o responsável pela tração da máquina, como se quisesse distraí-lo”, você pensa. Mas não. Tenta gritar. O medo te impede. Em saraivada claudicante o velho cão de tua antiga casa se precipita contra o demônio; você quer impedir o massacre mas não se move; o Cérbero avança e crava seus caninos radiantes no rabo do outro, que guincha de medo que se esgane de desespero que ladra de dor e você vê o vermelho da carne e os movimentos convulsos que aquele desenho absurdo faz parecer, um animal misturado a outro, formando um mesmo corpo, a morder o rabo, perfazendo um círculo torto. Oroboro ou Uroboros ou mesmo Ouroboros é uma cobra que morde a si mesma, num círculo em movimento. A ideia de que o fim e o começo se encontram num mesmo ponto, a imagem do Eterno Retorno, esta Roda Vazia & Desprovida De Sentido, sempre te pareceu um tanto deslocada: as garras da besta caçam a si mesma em um corpo infinito, sem partida e sem chegada, mais como um símbolo da Insaciável Fome Eterna ou mais como um Símbolo Autofágico da Compulsão ou mais como um símbolo do Parafuso Espanado das Pulsões: desejar saciar entediar Ou a vontade o impulso a dor Ou a presa a mordida o rabo. Nos olhos da fera – que te refletem – em uma simbiose de indiferença e fome, você acredita ver brilhar, tão rapidamente que cataloga como uma Miséria de Tempo Ínfimo, um raio luminoso da mais profunda tristeza.

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